segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

ENSAIOS SOBRE A LUCIDEZ



"A democracia é assim como Deus, fala-se muito dele, mas ninguém sabe onde está".
"O mundo é que é péssimo".
A Ditadura Disfarçada
José Saramago analisa as armadilhas da democracia em novo romance e diz que não é pessimista: 'O mundo é que é péssimo'
José Saramago tinha pela frente seu 11º romance mas não podia vê-lo. Nada de extraordinário - isso já lhe acontecera com Ensaio sobre a cegueira, de 1995, quando enxergou o título antes mesmo que tivesse uma história, conforme explicou em entrevista por e-mail ao Jornal do Brasil:
- O processo gerador (mas não consciente) foi semelhante nos dois casos. As idéias surgiram-me subitamente, quase que apetece dizer vindas do nada, e logo no instante seguinte os títulos apareceram como por uma espécie de mecanismo automático: já tens a idéia, agora dou-te o título. Depois só há que imaginar a história e construir o livro...
A simplicidade da explicação faz parecer inútil qualquer tentativa de teorização sobre sua obra ou a literatura em geral. A maneira como descreve o processo criativo de Ensaio sobre a lucidez, que a Companhia das Letras lança esta semana, faz pensar no escritor como um cego guiado por um labrador enredo adentro, até que encontre o livro. Que a comparação não sirva para insinuar irresponsabilidade do autor para com a obra: é mais uma pista de que ainda vale como fórmula na sua literatura o velho mote que ele continua oferecendo como conselho literário a quem o peça: ''Começar pela imaginação e a partir daí deixar que a razão predomine''.
Falando sobre o novo romance, o escritor português de 82 anos, abordou democracia, comunismo e até a atuação do governo Lula. O sistema democrático é tema do livro, que tem pontos em comum com o universo de Ensaio sobre a cegueira:
- Quando terminei o Ensaio sobre a cegueira, nem sequer como remota possibilidade se me apresentava a hipótese de lhe dar continuação. Aliás, o Ensaio sobre a lucidez não é, em rigor, uma continuação da Cegueira. É quando já levo muito adiantada a escrita da Lucidez que ''compreendo'' que a cidade é a mesma (de Ensaio sobre a cegueira), que as personagens da primeira história, embora não todas, devem passar para a segunda - esclarece.
Uma das personagens recorrentes é a mulher do médico que, no livro anterior, havia sido a única a escapar da espécie de surto de cegueira que varrera uma cidade não identificada pelo autor, que também não dá nomes próprios aos tipos que cruzam as duas histórias. A mulher do médico ressurge carregando uma possível ligação entre a anterior cegueira coletiva e o que os políticos de Ensaio sobre a lucidez denominam Insurreição dos Brancosos.
A insurreição corresponde a uma eleição cujo primeiro escrutínio resulta em 70% de votos em branco, e o segundo (uma tentativa desesperada do governo para reverter a situação) em 83% de votos em branco. Institui-se o estado de sítio na capital, que é transferida para outra cidade, junto com o presidente e deputados em debandada. O voto em branco, ''um febrão que se estava incubando'', é considerado nocivo ao regime e, com a Constituição suspensa, suas engrenagens devem ser investigadas e solapadas. São presos para averiguação no Ministério 50 cidadãos e cerca de 500 outros são levados a unidades investigadoras, ''enquanto uns ainda eram livres de entrar e sair de suas casas, e, esquivos, escorregadios como enguias, tanto apareciam como desapareciam''. As perseguições, prisões e desaparecimentos remetem a procedimentos comuns a regimes ditatoriais e o governo diz agir em nome da democracia contra um ato que considera ameaça ao regime. Para Saramago, a ditadura ''disfarçada'' não é mais difícil de ser combatida que a ditadura declarada:
- O que as ditaduras brandas aprenderam, disfarçando-se de democracia, foi a arte de fazer das suas vítimas cúmplices. Se protestas, dizem-te logo que não és democrata, que estás contra a democracia. Meios de resistir? Puxemos pela cabeça, para alguma coisa nos há-de ela servir.
''É regra invariável do poder que, às cabeças, o melhor será cortá-las antes que comecem a pensar'', vaticina o narrador, ambientando o leitor no cenário que em muito lembra o terror às cegas de Ensaio sobre a cegueira. O polígrafo (detector de mentiras) é utilizado por agentes do governo para descobrir os que haviam votado em branco.
- O governo (...) entra em pânico porque percebe que o voto em branco põe em causa todo o sistema. Mas o voto em branco é absolutamente democrático, não põe em causa a democracia, aplica-a - avalia Saramago.
Primeiro comunista a ganhar um prêmio Nobel (de Literatura, em 1998), o autor questiona no romance um sistema capaz de voltar-se contra o povo sem que este tenha infringido qualquer lei.
- A democracia é assim como Deus, fala-se muito dele, mas ninguém sabe onde está - critica o autor.
Quando uma bomba real explode na estação central do metrô da capital, toda a imprensa atribui o atentado terrorista aos ''brancosos'': ''Com a liberdade de expressão e comunicação condicionadas, com a censura a olhar por cima do ombro do redator, estava encontrada a melhor das desculpas'', diz o narrador sobre a postura da imprensa.
O presidente da Câmara da capital abre mão do cargo após entender que os mandantes do atentado são membros do governo, entre eles, o ministro do Interior, que avisa que, com a demissão, ''se arrependerá amargamente, ou nem terá tempo para arrepender-se, se não guardar sobre este assunto um silêncio absoluto''. O presidente da República, por sua vez, demonstra-se acuado e dividido, como se não tivesse poder decidir para contornar os rumos trágicos que a situação vai tomando: ''O maior erro da minha vida como político foi permitir que me sentassem nesta cadeira, não percebi a tempo que os braços dela têm algemas'', diz a personagem.
O cenário descrito por Saramago é desolador, mas o autor não crê que tenha exagerado nas tintas:
- Eu não sou pessimista, o mundo é que é péssimo. Encaremos os fatos e decidamos que papel queremos desempenhar na tragédia do mundo. Os meus brancosos fizeram o que estava ao seu alcance. Triunfaram? Duvido. Como igualmente não triunfaram as personagens da ''Caverna''. Mudaram de sítio, simplesmente, não mudaram o sistema.
Segundo Saramago, Ensaio sobre a Lucidez é uma sátira que acaba em tragédia:
- Não devemos estranhar, é o que acontece na vida. Eu sou apenas um escritor, escrevo livros para explicar o que penso. Se esses livros têm leitores, cabe-lhes a eles dizer o que pensam do que pensei. E se isso os levar a uma ação tendente a mudar ''a realidade que temos hoje'', poderão ter a certeza de que me encontrarão lá.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Vou andando
Cantando
Tenho o sol à minha frente
Tão quente, brilhante
Sinto o fogo à flor da pele
Tão quente, beijando
Como se fosses tu
Ao longe,
Distante,
Fica o mar no horizonte
É nele, por certo
Onde a tua alma se esconde
Carente, esperando
Esse mar és tu
Pode a noite ter outra cor
Pode o vento ser mais frio
Pode a lua subir no céu
Eu já vou descendo o rio...
Na foz
Revolta
Fecho os olhos penso em ti
Tão perto
Que desperto
Há uma alma à minha frente tão quente,
Beijando
Por certo que és tu
Pode a lua subir no céu
E as nuvens a noite toldar
Pode o escuro ser como breu
Acabei por t'encontrar
Vou andando
Cantando
Tive o sol à minha frente
Tão quente brilhando
Que a saudade me deixou
Pra sempre, por certo
O meu Amor és tu
Publicada por Pyny em Terça-feira, Novembro 06, 2007

MEU PRIMEIRO VOTO

Escrito por José Nazar
Dificilmente nos lembramos do primeiro voto. O esquecimento pode estar ligado tanto a uma decepção que se deu frente uma primeira escolha insatisfatória, como a um movimento, que é comum a todos nós, de não dar importância a alguns fatos marcantes na vida. De toda maneira, o que há nisso tudo é um não querer saber! Muitas vezes jogamos lembranças significativas para debaixo do tapete sem avaliar conseqüências que possam daí advir. O que importa é que nunca nos perguntamos sobre aquilo que teria sido um dos acontecimentos mais importante na nossa vida: o nosso primeiro voto. Qual teria sido? O primeiro voto é a base e a origem, a raiz daquilo que poderá determinar escolhas futuras em nossa vida. O exercício do voto pela primeira vez tem certa relação com emoções tão familiares que nos esforçamos ao máximo para esquecê-las. Diríamos até que há aí uma aproximação a algumas coisas vividas e realizadas uma primeira vez. Ele tem aquele gosto estranhamente familiar. Como teria sido essa primeira vez que em que cada um coloca voto na voz ou voz no voto? Trata-se de um primeiro encontro onde algumas convicções serão questionadas. A angústia de uma escolha navega sob a margem por onde transita opiniões diversas do jogo político. Uma primeira escolha onde o sujeito se vê postado no seu primeiro voto. É no secreto das urnas que se abre a porta de entrada para cada um construa a senha de uma vida política, ou seja, daquilo que se partilha na relação com diferentes. Esse mesmo gosto amargo de uma primeira vez, ele mesmo leva a menina a rememorar, por exemplo, sua primeira menstruação, como algo que marca. O primeiro relacionamento amoroso, a primeira relação sexual, tanto para o menino como para a menina, certamente que esse acontecimento deixa um resto, alguma lembrança. Em tudo na vida, há sempre uma primeira vez. E como isso teria sido bom!

O primeiro voto é algo diferente e distinto de tudo que possa ser imaginável. E não será por isso mesmo que ele será esquecido? Ele tem valor de ato na vida de cada um de nós. O primeiro voto eleitoral na vida de um sujeito atualiza o que teria sido votos anteriores, votos outros que fazem parte da construção de uma identidade afetiva, profissional, social e, até mesmo, sexual. E isso se dá muito cedo, no início da vida, certamente. Ele atualiza uma noção de sentido, de rumo, de direção. E é isso o que decide tantas coisas na vida de um alguém. Voto é crença, é creditar esperança em alguém. O meu primeiro voto foi marca de perda. Perda de uma inocência, por exemplo: agora eu voto. E só Deus sabe o que está contido dentro desse voto. Como se dá nosso primeiro voto? A quem e a quê se dirige, esse voto? Hoje já se pode realizar o tão importante exercício do voto na adolescência, esse estado em ebulição que me agita e me enlouquece. Como irei votar? Com quem irei votar? A partir do voto dos meus pais? Eu voto com meus pais ou contra meus pais? Quem em mim vota? O quê eu voto quando estou votando em alguém, para isto ou aquilo? Fica, então, uma questão: qual o voto que me habita? Pois sabemos que a escolha de um candidato não é tão simples. Não devemos votar pura e simplesmente por devaneios, ilusões e alienações. A partir de quê eu me deixo seduzir e, até mesmo, me faço enganar?
O voto é o exercício ético por excelência na medida em que ele é a conquista única por onde eu me autorizo a dizer sim ou não. Eu posso até querer continuar me iludindo, pois o voto, ele mesmo me permite tocar de perto todos os tipos de gozo possíveis. Esse sim ou não, representa e diz muito mais do que se supõe, na medida em que ele constrói o necessário liame social da relação do sujeito humano com semelhantes: nasce uma dialética política que funda a sociedade como a possível guardiã da coisa pública. Por isso mesmo o voto é esta causa nascente por onde cada um poderá optar pelos caminhos de uma cidadania. A coisa pública, quando não prostituída e aviltada pela maledicência e pela burrice humana, representa a única condição ética na vida do homem político. Ela deveria ser o sagrado, tornando o meu voto seu fiel guardião. Nesse sentido o meu voto será a credencial por onde eu me habilito a produzir, com meus próximos, mudanças sociais que dão crédito ao vigor de uma urgência de cidadania, ou seja, o movimento pelo qual a coisa pública circula produzindo mudanças, deslocamentos. A coisa pública não é minha e não é tua. Ela é um bem público que está a serviço de uma nação. Por isso mesmo ela habita os intervalos entre eu e você como compasso de Lei. A apropriação indébita da coisa pública configura-se como o mais horrendo de todos os crimes: o incesto. O exercício consciente do voto serve para criar condições necessárias para que ela funcione e permita que cada um de nós continue sua vida de trabalho, de estudos e de amor. O voto é para todos nós o exercício supremo e magistral de uma democracia. Ele tem sua base num outro voto, num voto de origem. Não somente no voto que nasce e brota do desejo dos meus pais como causa do meu nascimento, mas aquele maior que se passa de geração em geração: da minha pátria. O meu primeiro voto se escreveu na minha vida como um raio, como uma marca irrefutável.É aí que está o meu primeiro voto. Para onde ele me leva?

HORTELÃ

O Destino mudou de assunto.E a Vida, sua companheira, sem saber como agir, observa.Colorido, leve, saudável e tranquilo.As flores na estampa da camisa, o hálito fresco de hortelã, o olhar sem medo.Acostumada à escuridão, a Vida questiona:
- Destino, não te conheço mais. Do quê você gosta? Para onde você quer ir? O que eu faço com você? O que você come? Passamos tanto tempo na escuridão que agora eu não sei o que fazer, chego a pensar que não o desejo mais. Ou você não me deseja mais? Você não precisa dos meus cuidados? Resolveu, sozinho, agir feliz?- Ah Vida, você se distraiu e o que era podre desapareceu, virou pó, fertilizou a semente. Você sempre achou que poderia me controlar, me deixar estagnado e dependente, pensando no seu belíssimo e trágico final. Troquei as minhas roupas, joguei fora os remédios e os pensamentos velhos. O que eu como? Do que eu gosto? Relaxa! Relaxa! Sou um novo companheiro seu: pare e deixe que eu te levo comigo, não abandonarei você jamais, mas quero que você, como eu, consiga ver o dia claro sem precisar fechar os olhos, fugir, tremer diante do novo. E que seu vestido esvoaçante me faça cócegas no nariz.- Como assim, Destino? E deixar tudo para trás? E deixar o conforto do que já conhecemos? Onde vamos parar?- Ah... não quero pensar em parar, minha linda Vida. Vem comigo, eu te levo, leve. Macio como seu novo travesseiro aromatizado e cheiroso como meu hálito de hortelã. Não lembra mais como era bom sorrir diante do belo cuidar? Vou bronzear sua alma!O beijo acontece.A Vida se entrega ao novo Destino e relaxa.- Viu como é bom ser Vida?- Ah, Destino! E eu que pensei você ser incurável.- Vê como minha pele é macia? Sente como minha boca é tranquila? E minhas palavras não estão aqui para machucá-la?O Destino mudou de assunto.E a Vida...A Vida se vestiu de colorida!
Postado por P. Polivalente às Sábado, Outubro 20, 2007

AMOR DE MÃE



Escrito por José NazarPublicado em 19/05/2007


Não se deve duvidar do amor de mãe. Por isso mesmo não sentimos necessidade alguma de questionar seu amor. É como se a mãe ocupasse o lugar de um amor eterno. Estamos sempre certos e seguros em relação a seu amor, seu perdão e, por sua compreensão. Não é a mesma coisa com o pai. Nem sempre estamos tão garantidos do amor do pai, mesmo porque o que ele quer dos filhos não é tanto o amor, mas o respeito. O pai é esta função simbólica – não necessariamente o pai será o pai biológico - que interdita a relação toda amorosa mãe e filhos. Ele é o desmancha-prazeres. O que quer uma mãe? Uma mãe quer duas coisas em sua vida. Primeiro, que seja preservado, a qualquer custo seu amor e seus cuidados por seu filho. Segundo, que seja traduzida como mulher por seu parceiro e que, de preferência, este seja o pai de seu filho. Também quer algo: que seu homem crie condições verdadeiras para que sua relação com o filho se inscreva na história como um amor imbatível. Viva, portanto, as mães!
Falar de mãe não é tarefa fácil para ninguém por se tratar de alguém que está acima de tudo o que possamos imaginar. Por isso, uma mãe é perdoada em todos os sentidos: em seus excessos, erros e cuidados apaixonados. Mesmo que às vezes ela acredite que sabe o que é melhor para seus filhos, deixamos para lá e seguimos em frente com a vida. Também, pudera, ela é a senhora dos nossos dias: Mãe é tudo! Daí a máxima secular que diz: mãe é mãe!
Uma boa mãe quer o bem do filho. Quer que ele ou ela cresça, estude, trabalhe, case-se e constitua uma família, relançando novas gerações. E, de preferência, que não fique muito longe dela. Mas, é lógico que algumas outras coisas comparecem entre mãe e filho.
Dizer que a mãe quer alguma coisa para além do amor de seu filho é, no mínimo, paradoxal, uma vez que este é, para ela, o objeto mais precioso da face da terra: é tudo aquilo que lhe causa e satisfaz. O amor de um filho é propriedade exclusiva da mãe, o que faz da relação mãe-filho um universo de segurança e esperanças. Amor de mãe é incondicional. Ele não depende dos atributos que o filho carrega. Ela lhe concede esses atributos. É o único amor que consegue enxergar luz e esperança na mais infinda escuridão.
Uma mãe será a eterna depositária de um perdão, o que permite aos filhos permanecerem numa posição confortável em relação a seu amor na medida em que não precisam lutar ou batalhar para conquistá-lo, pois ele está sempre ali, pronto, de plantão dia e noite, à espera. Amor de mãe não é perecível.
Mesmo quando uma mãe fica brava e dá aquela bronca no seu filho, sabemos que quase sempre ela se trai. Até mesmo tapa de mãe nunca será forte o suficiente para deixar qualquer marca. Parece que palmada de mãe não dói, é carinho. Ela grita, esbraveja, mas o tom de sua voz demonstra uma outra coisa. Se ela se descabela toda, é porque já tem hora marcada no cabeleireiro. Mãe é assim. Quase sempre ela terminará dizendo: eu vou contar tudo pro seu pai. Bronca de mãe é um mero lembrete para que o filho e a filha não se esqueçam dela.
Desde cedo aprendemos que coração de mãe não tem tamanho. Ele é grande, enorme, e sempre cabe mais alguma coisa, ele é incondicional. Para cada um de nós coração de mãe não tem cor, não tem raça, não tem credo, não tem ideologia, nem mesmo preferência. Mãe é mãe! Por exemplo, se perguntamos a uma mãe qual dos filhos ela gosta mais, a resposta será rápida e sempre a mesma: gosto de todos igualmente, embora seja diferente com cada um. Será?
Mas esse amor, ele mesmo não é tão gratuito assim. O amor de mãe tem um preço, e pode custar muito caro aos filhos. Tanto em seu excesso quanto em sua falta pode provocar marcas na vida de um filho. Qual a boa medida, se é que podemos nos perguntar sobre isso?
Todo amor de mãe será ressituado pela presença do pai. O pai será este lugar simbólico para onde se dirige o olhar dessa mãe – enquanto mulher - para além da criança. Portanto, o amor de mãe deverá ser relativizado pelo pai. Uma mãe castrada justo pela função simbólica da qual o pai é seu sincero passador. O que faz com que uma mãe possa comparecer de todo modo como faltante para seu filho ou sua filha. Portanto, ela deve saber se significar para o filho como mãe faltosa que não seria, de forma alguma, satisfeita por eles, identificada ela própria ao falo.
Quando o pai não responde devidamente aos anseios sexuais desta mãe enquanto mulher, a criança terá que pagar a fatura. Mãe é boca de crocodilo que carrega e protege seu filhote. Um pai intervém no sentido de salvar a criança, desta devoção materna. Excesso de mãe – que é igual a pouca presença de pai - provoca o adoecimento dos filhos. As respostas mais comuns são as patologias que se instalam na infância – doenças respiratórias, dependências, distúrbios alimentares [bulimia e anorexia], depressões, hiperatividades - são os exemplos mais comuns dessas invasões bárbaras.
De toda maneira, uma mãe é quase tudo na vida de todos nós. Podemos dizer que ela mesma é força ardente que nasce bem cedo no mais íntimo de nosso ser. É o sagrado de uma voz e de um sorriso que habita o amanhecer de uma criança preparando-a para as apostas da vida. Sua coragem dá o sentido único do desejo do filho em seu entardecer. Sua dignidade e sua altivez é tudo aquilo que o encoraja frente à turbulência derradeira do anoitecer da vida.
Então, é realmente isto: mãe é sempre um anjo que ilumina o terreno fértil de um longo caminho que o filho vai seguir em seus momentos de realizações. É a voz que anima e dá força nos momentos de vertigens em que o filho se ressente frente às difíceis decisões a tomar. Ela guarda no peito a chave de um cofre que detém os segredos mais íntimos da vida do filho. Por isso, sempre se repete: eu devia ter escutado o que minha mãe disse.
Quando a mãe carrega dentro de si o filho que ainda vai nascer, ela produz o despertar de suas marcas, que falam de um futuro por vir. Trata-se de um tempo de gestação, em silêncio, que introduz o enigma de uma partida antecipada. São verdadeiros seios soluçantes que se tornam passadores de um desejo que comemora uma vida se fazendo. Eles soluçam a voz nascente de uma mãe que agoniza o nascimento que está por acontecer. Vou fazer uma vida, vou honrar a vida! Um choro que fura o silêncio do vazio, anunciando uma separação que habita o grito do porvir autêntico do nascimento de um novo filho.
Uma mãe partida que sofre de todo modo o fogo ardente da sua glória gestante. Uma dor de alegria, sim, que canta como júbilo o que emerge de uma cumplicidade a mais e que se justifica num amor infindo que jamais irá calar a voz de uma mãe que acaba por entregar seu filho. Mesmo sofrendo a estima do vazio de um ninho abandonado, ela poderá dizer: eu te ofereço a abstinência de meu querer. Eu posso deixar que você, filho querido, caminhe nos andaimes da vida com seus irmãos e seus amigos. Meu ódio de perda, meu ciúme de exclusão, meu abandono de sua ida, ah, meu Deus! Tudo vai ficar guardado, perdoado. Minha dependência é desígnio de mãe! Sou mãe e só eu sei o que é este amor. E isso vai ficar escondido na instância de meu gozo contristado, refém do meu parceiro querido, seu pai. Foi com ele que fiz você, meu filho, naquela noite às escuras, prenhe de desejos em que ele outorgava a legitimidade de meu querer. Com ele vou permanecer, para sempre, guardiã do seu olhar.
José Nazar, psiquiatra e psicanalista. Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise Brasília, Rio de Janeiro e Vitória. Membro da Associação Psiquiátrica do Espírito Santo. Membro da Associação Médica do Espírito Santo. Editor Chefe da Companhia de Freud Editora.


Tempo



Tempo, Tempo, Tempo, Tempo..... és um dos deuses mais lindos."