Escrito por José Nazar
Dificilmente nos lembramos do primeiro voto. O esquecimento pode estar ligado tanto a uma decepção que se deu frente uma primeira escolha insatisfatória, como a um movimento, que é comum a todos nós, de não dar importância a alguns fatos marcantes na vida. De toda maneira, o que há nisso tudo é um não querer saber! Muitas vezes jogamos lembranças significativas para debaixo do tapete sem avaliar conseqüências que possam daí advir. O que importa é que nunca nos perguntamos sobre aquilo que teria sido um dos acontecimentos mais importante na nossa vida: o nosso primeiro voto. Qual teria sido? O primeiro voto é a base e a origem, a raiz daquilo que poderá determinar escolhas futuras em nossa vida. O exercício do voto pela primeira vez tem certa relação com emoções tão familiares que nos esforçamos ao máximo para esquecê-las. Diríamos até que há aí uma aproximação a algumas coisas vividas e realizadas uma primeira vez. Ele tem aquele gosto estranhamente familiar. Como teria sido essa primeira vez que em que cada um coloca voto na voz ou voz no voto? Trata-se de um primeiro encontro onde algumas convicções serão questionadas. A angústia de uma escolha navega sob a margem por onde transita opiniões diversas do jogo político. Uma primeira escolha onde o sujeito se vê postado no seu primeiro voto. É no secreto das urnas que se abre a porta de entrada para cada um construa a senha de uma vida política, ou seja, daquilo que se partilha na relação com diferentes. Esse mesmo gosto amargo de uma primeira vez, ele mesmo leva a menina a rememorar, por exemplo, sua primeira menstruação, como algo que marca. O primeiro relacionamento amoroso, a primeira relação sexual, tanto para o menino como para a menina, certamente que esse acontecimento deixa um resto, alguma lembrança. Em tudo na vida, há sempre uma primeira vez. E como isso teria sido bom!
O primeiro voto é algo diferente e distinto de tudo que possa ser imaginável. E não será por isso mesmo que ele será esquecido? Ele tem valor de ato na vida de cada um de nós. O primeiro voto eleitoral na vida de um sujeito atualiza o que teria sido votos anteriores, votos outros que fazem parte da construção de uma identidade afetiva, profissional, social e, até mesmo, sexual. E isso se dá muito cedo, no início da vida, certamente. Ele atualiza uma noção de sentido, de rumo, de direção. E é isso o que decide tantas coisas na vida de um alguém. Voto é crença, é creditar esperança em alguém. O meu primeiro voto foi marca de perda. Perda de uma inocência, por exemplo: agora eu voto. E só Deus sabe o que está contido dentro desse voto. Como se dá nosso primeiro voto? A quem e a quê se dirige, esse voto? Hoje já se pode realizar o tão importante exercício do voto na adolescência, esse estado em ebulição que me agita e me enlouquece. Como irei votar? Com quem irei votar? A partir do voto dos meus pais? Eu voto com meus pais ou contra meus pais? Quem em mim vota? O quê eu voto quando estou votando em alguém, para isto ou aquilo? Fica, então, uma questão: qual o voto que me habita? Pois sabemos que a escolha de um candidato não é tão simples. Não devemos votar pura e simplesmente por devaneios, ilusões e alienações. A partir de quê eu me deixo seduzir e, até mesmo, me faço enganar?
O voto é o exercício ético por excelência na medida em que ele é a conquista única por onde eu me autorizo a dizer sim ou não. Eu posso até querer continuar me iludindo, pois o voto, ele mesmo me permite tocar de perto todos os tipos de gozo possíveis. Esse sim ou não, representa e diz muito mais do que se supõe, na medida em que ele constrói o necessário liame social da relação do sujeito humano com semelhantes: nasce uma dialética política que funda a sociedade como a possível guardiã da coisa pública. Por isso mesmo o voto é esta causa nascente por onde cada um poderá optar pelos caminhos de uma cidadania. A coisa pública, quando não prostituída e aviltada pela maledicência e pela burrice humana, representa a única condição ética na vida do homem político. Ela deveria ser o sagrado, tornando o meu voto seu fiel guardião. Nesse sentido o meu voto será a credencial por onde eu me habilito a produzir, com meus próximos, mudanças sociais que dão crédito ao vigor de uma urgência de cidadania, ou seja, o movimento pelo qual a coisa pública circula produzindo mudanças, deslocamentos. A coisa pública não é minha e não é tua. Ela é um bem público que está a serviço de uma nação. Por isso mesmo ela habita os intervalos entre eu e você como compasso de Lei. A apropriação indébita da coisa pública configura-se como o mais horrendo de todos os crimes: o incesto. O exercício consciente do voto serve para criar condições necessárias para que ela funcione e permita que cada um de nós continue sua vida de trabalho, de estudos e de amor. O voto é para todos nós o exercício supremo e magistral de uma democracia. Ele tem sua base num outro voto, num voto de origem. Não somente no voto que nasce e brota do desejo dos meus pais como causa do meu nascimento, mas aquele maior que se passa de geração em geração: da minha pátria. O meu primeiro voto se escreveu na minha vida como um raio, como uma marca irrefutável.É aí que está o meu primeiro voto. Para onde ele me leva?
domingo, 2 de dezembro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário